De acordo com o Diário Insular (6/Dezembro/2005) esta “primeira igreja de arquitectura moderna da Terceira foi inaugurada a 25 de Maio de 1965 e a primeira pedra lançada a 25 de Dezembro de 1961. (…) As obras de construção da nova igreja decorreram durante mais de quatro anos e tiveram que parar várias vezes por falta de recurso financeiros. Sem dinheiro para pagar o projecto de arquitectura a obra foi executada de acordo com esboços e desenhos efectuados por diversas pessoas. A construção do tempo deveu-se ao voluntariado de cerca de três dezenas de pessoas e à cedência de alguns materiais para além da contribuição financeira de alguns habitantes da freguesia.”
Francisco Borges Ávila, pároco da freguesia na altura da construção da Igreja do Imaculado Coração de Maria, em entrevista a Hélio Vieira e publicada na Revista do Diário Insular(18/Dezembro/2005), aborda alguns aspectos sobre estes assuntos, quer em relação ao processo de construção, quer no que diz respeito à actual sagração.
Assim, sobre a ideia de construir uma nova igreja nos Biscoitos, Francisco Ávila refere que a mesma “teve em conta o facto da freguesia ter nessa altura apenas uma igreja velha, quase a cair aos bocados, que era insuficiente para as necessidades dos Biscoitos e que não estava bem localizada. É certo que os Biscoitos começaram no bairro de São Pedro pouco tempo depois do povoamento mas a freguesia foi crescendo para Norte. A Igreja de São Pedro era velha era pequena o que fez com que no passado tivesse havido sucessivas tentativas para se construir uma nova igreja nos Biscoitos sem sucesso. Essa era uma necessidade reconhecida por todas as pessoas da freguesia. O problema não era construir um novo templo mas sim decidir qual seria a sua localização.” Adianta ainda que “quando cheguei aos Biscoitos, no final de 1959, havia já um terreno escolhido pelo Bispo de Angra, D. Manuel Afonso de Carvalho e vinha com a missão de promover a construção da nova igreja. Mas o que é certo que esse terreno acabou por não ser cedido para a construção da igreja e começaram então a surgir os problemas. Havia um projecto de arquitectura por pagar e não existia terreno para se fazer a obra. Só em 1961 é que surgiu um novo terreno para a igreja que foi doado pelo sr. João Simas, que tinha uma vinha junto à estrada corrente da freguesia. Mas a planta que existia para o primeiro terreno junto à Praça Velha não servia para o novo local. Não havia tempo nem dinheiro para fazer um novo projecto e com a colaboração de várias pessoas fizemos os desenhos da igreja.”
Sobre as reacções negativas à construção da nova igreja de uma parte da população dos Biscoitos, o antigo pároco diz que “essa foi outra dificuldade decorrente do viver e do sentir da população dos Biscoitos. Para uma pessoa como eu que ainda não conhecia bem uma realidade marcada por ódios e divergências entre pessoas que vinha de algumas gerações foi um momento muito difícil. O ideal teria sido construir uma igreja num local que fosse do agrado de todos mas isso não foi possível como vim a perceber mais tarde.” Continua Francisco Ávila desabafando que “nessa altura avivaram-se rivalidades e desconfianças e o sr. Bispo em certos momentos não foi muito feliz na condução desse processo porque se ele tivesse “aberto o jogo” as coisas podiam ter corrido melhor. Ele ouvia as comissões de um lado e do outro sem que eu estivesse presente. Fui sempre “uma carta fora do baralho”. Era o executor da sua decisão de construir uma nova igreja, mas não sabia o que o sr. Bispo prometia a uns e a outros. É claro que acabava por saber o que se passava por aquilo que se dizia na freguesia e cheguei facilmente à conclusão que o que se prometia a uns não era o mesmo que se prometia a outros.”
Sobre o processo de construção, Francisco Ávila recorda que “as obras iam decorrendo mesmo com dificuldades financeiras. Mas praticamente metade da freguesia deu a sua contribuição financeira para a igreja, mas também houve gente da outra parte que deu esmolas em segredo para não ter problemas com a vizinhança. (…) Tivemos que parar a construção por três vezes por falta de dinheiro, mas isso acontece em todas obras deste género, mas os mestres e os ajudantes foram sempre pagos pontualmente. Parte dos trabalhos das obras foram efectuados por um grupo de pessoas que o fizeram de forma gratuita.”
Quanto ao facto de os Biscoitos terem tido a primeira igreja moderna na Terceira, concebida de acordo com os princípios do Concílio Vaticano II é referido que “houve a preocupação de não fazer da igreja um museu com muitos altares e santos. Apenas se destinou um espaço para a imagem da padroeira, Imaculado Coração de Maria, que não é muito comum. Quando vi o desenho da escultura da imagem fiquei com receio que as pessoas pudessem ficar desapontadas. Mas depois de um primeiro choque menos favorável as pessoas habituaram-se à escultura. (…) Pode não ser uma obra perfeita, mas tem todas as condições necessárias a uma igreja como boa luz, som e amplitude e nada disso foi estudado, surgiu quase por acaso.”
No que diz respeito à cerimónia que agora se regista, 40 anos após a inauguração do templo, Francisco Ávila explica que “quando foi lançada a primeira pedra da obra, em 1961, a igreja foi Dedicada ao Imaculado Coração de Maria. Quando estava apta a entrar ao serviço foi benzida em Maio de 1965, tal como acontece com todas as igrejas. O que se vai fazer agora é a Sagração. Existem nos Açores poucas igrejas que estão Sagradas.”
No final da entrevista Francisco Ávila partilha que para si “ainda hoje é difícil falar desse assunto porque a construção da igreja fugiu às regras, foi muito atípica. Quando se faz uma igreja é porque ela é necessária e o povo está de acordo e empenhado nessa obra. Nos Biscoitos não foi assim. Felizmente as gerações mais recentes da freguesia souberam ultrapassar essas velhas rivalidades e desconfianças que dividiram durante décadas os Biscoitos de acordo com determinados caciques. Sempre esperei que as novas gerações fossem capazes de pensar pela sua cabeça e dar a volta a essa situação.” Termina afirmando que recorda “tudo o que passei com um misto de sentimentos porque sofri bastante com as ingratidões que fui vítima dos vários lados, mas tive a alegria de ver nascer a nova igreja. Fechei os olhos e os ouvidos a muita coisa e fui para a frente com a missão que tinha para levar a cabo. Acabei por ter que me oferecer para ir para a guerra como capelão militar porque não tinha condições para continuar a ser pároco dos Biscoitos.”